quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Cacau Caiu 2/3 - O Motel Mustang

O motel que se foi na chuva

   Neste post, trago uma das tragédias mais lembradas de Salvador, pelas vítimas fatais e pelo Folclore existente sob e sobre os escombros, numa narração que nos remete a 1989. 

POR JACIARA SANTOS – 21 DE ABRIL DE 2010
PUBLICADO EM: COM A PALAVRA...
Com a palavra...
Valter Souza Menezes*

   Meu querido e amado pai sempre dizia que não existe coisa mais rápida no mundo do que o pensamento. Ele sempre repetia essa frase quando estávamos nas refeições familiares e lembrava de algo do passado. Pois bem. Com essas terríveis e fortes chuvas que causaram mortes e danos irreparáveis em muitas famílias no Rio de Janeiro, aqui em Salvador e em outras terras, fui buscar em fato lá nos idos do final dos anos 1980, mais precisamente em 19 de maio de 1989, quando um monte de terra correu na Avenida Suburbana e um motel foi morro abaixo. Água de chuva forte descendo morro, não tem quem segure! O destaque da imprensa está sendo primoroso para a tragédia carioca, mas colocar pessoas altamente fragilizadas, diariamente, para dar depoimentos chorando, é demais para todos…


   Bem voltemos ao fato relatado acima, no qual casais morreram quando estavam dentro do motel, pois foram atingidos fatalmente pela lama, que desceu do alto do bairro de São Caetano. Também morreram alguns funcionários do motel. Naquela época, eu era 1º Tenente da PM e trabalhava no serviço de radiopatrulhamento (RP) na área do 8º BPM, o famoso Dragão, que tinha no seu efetivo mais de um mil PM lotados. Sua área de responsabilidade era toda a Suburbana, Cidade Baixa, Comércio, Avenida San Martin, todo o lado esquerdo da BR 324 (sentido Salvador-Feira de Santana, até o viaduto do CIA) e seus bairros, além das Ilhas de Itaparica, Madre de Deus etc. Era chão!

   O 8º Batalhão era uma espécie de universidade com uma área enorme! A sede da unidade, no meu tempo, era no Quartel de São Joaquim, onde funciona hoje umas das quatro Rondesp. No primeiro estalo da estrutura do motel, chamaram a PM pelo 190. Um cabo que estava de serviço de RP na madrugada fria da Suburbana, rumou até o motel, para conhecer a situação e evacuar o local, caso fosse necessário. Já pensou que situação?…

   Não sei por quanto tempo o policial ficou dentro do estabelecimento. Ao chegar lá e iniciar os contatos com os solicitantes e usuários, o imóvel começou a cair, vindo dos fundos uma enorme massa de terra, folhas, cimentos, árvores e pedras. Uma grande cortina de contenção de cimento que segurava o morro se rompeu. O acesso atrás do motel que era a saída dos carros para a avenida, ficou tomado pela terra.

   A matéria saiu em rede nacional, já que era um fato relevante para os anos 80. Como em muitos desabamentos, era aquela velha história do lixo jogado pela encosta, água acumulada e imóveis sem estrutura construídos sem técnicas e de forma inadequada na parte alta. No livro 1808 do escritor Laurentino Gomes – por sinal, li essa parte na semana da tragédia do Rio e recomendo a todos, para conhecerem um pouco mais da história real do nosso Brasil e da família monárquica portuguesa – na sua página 236, diz sobre os grandes morros do Rio de Janeiro, que o morro “tira a elegância de vista”, impede que os ventos entrem na cidade e “conserva na sua base por muito tempo as águas que recebe das chuvas”. Se conserva água, para algum lugar, um dia, ela terá que ser lançada. Foi o que ocorreu no morro do motel, penso.

   O cabo da Briosa não morreu por sorte, pois saiu correndo pela ladeira abaixo que dava acesso à Avenida Suburbana, pulando, como um gato assustado, o muro da curva de saída do estabelecimento “amoroso”.  O seu gorro de pala azul ficou caído no mato, do local de onde ele se jogou para não morrer. Outros também fizeram o mesmo percurso com ele, na hora do perigo. Por sorte, a entrada do motel onde estava a viatura, nada sofreu. Eu que encontrei  a cobertura (gorro), ao amanhecer, dentro do mato. Estava entrando de serviço às 7h, quando encontrei o gorro azul molhado, pertencente ao cabo, cujo nome não me lembro agora, mas que estava escrito na parte interna da peça.

   O Corpo de Bombeiros começou, logo na madrugada, a tentar
socorrer os vivos e retirar os mortos. Trabalho árduo, penoso e muito cansativo para os PM do CCB (no início da minha carreira, 2tive o prazer de trabalhar no CCB por seis meses!). O problema maior estava por vir, para saber quem estava dentro dos apartamentos daquele motel, vivo ou morto. A imprensa logo veio, querendo filmar e documentar tudo, mesmo com a barreira que o Corpo de Bombeiros tinha colocado, mas nada adiantou. Era o furo da noticia trágica com mais de sete mortos! Bloquearam a Suburbana, que se chama Avenida Afrânio Peixoto – até hoje não entendo o motivo daqueles postes de iluminação no meio da via – mas a chuva não parava de maneira alguma. A lama continuava descendo.

   Outro local também desabou na Suburbana, era uma pedreira perto do Lobato. Também houve registro de mortos e feridos. Muitos danos e pessoas desabrigadas. Os PM do Dragão sempre fizeram coletas de roupas, material de higiene e limpeza para essas pessoas desabrigadas. Era uma coisa espontânea de que todos participavam.

   As pessoas se aglomeravam na porta do motel desabado, não
para saber se havia sobreviventes, mas para conhecer quem estava lá dentro dos apartamentos. Foi um suspense grande para todos! Um carro Chevrolet/Caravan, cor violeta, com cruzes nas janelas, de uma funerária da área, já estava perguntando se tinha algum familiar ali por perto. Alguém disse: “Morre o boi a bem do urubu”!

   Saí de serviço às 19h, muito molhado, mas sem saber também quem estava lá dentro, mas cheio de curiosidade, pois o pessoal da Cidade Baixa onde eu morava na época, também frequentava aquele estabelecimento. A imprensa, por sua vez, não deu os nomes. “Tragédias ocorrem em qualquer local!”

*Valter Souza Menezes é major da PM-BA, comandante da Rondesp/Atlântico e bacharel em Direito


    No deslizamento,  33 quartos do motel foram atingidos. Alguns casais conseguiram fugir, porém, 08 pessoas não tiveram a mesma sorte e morreram esmagadas por toneladas de lama e entulho.   

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